sexta-feira, 3 de março de 2017

As Composições do Tatubala

"Um, dois, três, quatro...". Se dá o início a mais nova música da banda no palco. Fica a expectativa da boa execução e consequentemente da reação do público. Isso levando em conta quando se é um grupo independente querendo mostrar o seu trabalho. Mas antes de saber resultado dela, é bom saber que houve muita coisa antes da música chegar prontinha ao ouvido da platéia. O que inspirou o compositor a fazê-la? Como foram os ensaios pros arranjos dela?

Portanto contarei abaixo algumas curiosidades sobre as principais músicas da minha eterna banda autoral Tatubala:

Chá das 5
Acho que raramente, ou nunca, fiz um show do Tatubala sem ela. Tudo começou após estar brincando com o violão e escutando o disco "Band Of Gypsys" do Hendrix. Naquela onda de solar cantando junto, criei o riff inicial de Chá das 5. Em seguida fui fazendo uma basezinha suingada e continuei até o fim. Esta, assim como a maioria das minha composições nasceram de forma instrumental. Neste fim de 2001 já estava com a banda ensaiando os primeiros repertórios com Bruno Lima no baixo e Vitor Sulzer na bateria. 

Vitor Sulzer, Paulinho de Castro e Bruno Lima
Foto: Kiko 9
Batizei-a  de "Chá das 5" devido no meu prédio, a gente se encontrar no fim da tarde pra tocar uma viola, conversar, etc. Era a hora que o pessoal chegava da aula, do trabalho, ou mesmo quem não fazia nada aparecia por lá...

Desses encontros é que veio também a idéia da letra de mostrar a confraternização de pessoas, com seus gostos, crenças e lugares diferentes, que juntos podem se encontrar de forma pacífica. 

Em 2002 passei a cursar a Escola de Música Villa Lobos. Tinha apenas pouco contato com os alunos da minha sala, na época de leitura e escrita musical. Nessa aula era muita gente mais nova do que eu. Mas lá em cima da escola tinha um tal do café em que os demais alunos, já mais cascudos, se confraternizavam. Mas como era novo no recinto e conhecia poucos, raramente passava por lá pra interagir. 

Foi quando vi o anúncio do Fest-Villa pra cada um inscrever sua música. Na época, gravei minha cassetezinha com a gravação que tinha com o Tatubala e deixei na secretaria, na última hora inclusive. Quando saiu o resultado das classificadas, fiquei super-feliz em vê-la entre as selecionadas para tocar no festival. 

Tocando "Chá das 5" no Fest-Villa em 2002
Foto: Maria Eliza
Fiz duas apresentações "daquelas"de arrebentar (semifinal e final), jogando chazinho pra galera, tocando com a boca, com público cantando refrão, etc. Como a maioria dos demais concorrentes e participantes se comportaram no palco de forma tranquila, aquilo chocou muita gente. O músico jurado Carlos Malta, veio a mim dizer que foi a melhor performance. Uma honra!

Engraçado, que dali, muitos vieram a passar por mim e me cumprimentar "-Oi Chá das 5! Tudo bem Chá das 5? Fala Chá das 5!". O bom é que com isso fiz amizades com muitos músicos no tal café da escola. Conheci e aprendi muita coisa.

"Chá das 5" tenho um carinho especial, que apesar dela nunca ter vencido algum prêmio destes festivais que participei, foi a que levou o Tatubala à MTV (sem jabá) com o seu vídeo clipe pra lá descontraído. 
Clipe: Tatubala "Chá das 5" exibido na MTV 

Aliás, existia uma rádio virtual chamada Rádio Microfonia, em que ela ficou entre as mais pedidas da galera. Mas no festival Hélio Alonso, tinha que ver a cara de desapontada da jurada Elza Soares. Faz parte do show...rs


                                   "Chá das 5" no programa Atitude.com da TV Brasil

Oiá Mauá
Tatubala no Sarau do CEAT em 2003.
Esta foi a primeira música com letra que fiz na vida, ainda com a antiga banda Jeca. Em feriadões costumava ir muito à Visconde de Mauá curtir as cachoeiras e a noitada de lá. Numa dessas viagens, em uma fase de ouvir bastante Bob Marley, na qual costumava ir bastante no cover que rolava no Rio, veio a inspiração no caminho pra fazer esse reggae.

Era música sempre presente nas minhas rodinhas de violão. Conta o que fazíamos essencialmente em Mauá. Como meus amigos gostavam bastante dela, levei-a para o Tatubala em seguida. Fez parte da demo "Escolhe A Bala" de 2004, com participação da flautista Karina Neves, que deu um toque especial na gravação. "-Splash!"

Em algumas apresentações, inspirado já no Angus, eu fiz alguns strips no palco com ela. No fim mostrava um tatu de pelúcia de dentro da calça...




Canoa Brasil
Tatubala no Festival de Alegre-ES em 2005
O estilo dela fugia um pouco do caminho progadélico que tomaria o Tatubala. Mas a usei muitas vezes como música de trabalho. Um rock-baião da pesada, pois gostava de misturar guitarra distorcida com ritmo regional brasileiro. Adorava e ouvia muito Chico Science.

Devido a letra "séria", pois contava os problemas sofrido pelos índios, do entreguismo da Amazônia, muita gente que gostava de protesto ia com a cara dela. Inscrevia ela em muitos festivais. Uma vez, o apresentador do Festival Hélio Alonso me ligou e ficou uma hora no telefone pra dizer da classificação dela pro evento: "-Essa música é uma porrada!".
Elke Maravilha entregando o prêmio
de melhor letra em 2005

Conquistamos o prêmio de melhor letra neste festival de 2004 (a 42ª edição) recebendo o prêmio das mãos da recém falecida Elke Maravilha!

Com "Canoa Brasil" fomos participar do Festival de Alegre-ES em 2005. Uma grande experiência, de poder tocar  pra uma grande multidão e ver de perto artistas como Pitty e Marcelo D2, que fechariam a noite no mesmo palco. 





Vírus Rádio Ativo
Tatubala com "Vírus Rádio Ativo" no Saloon 79 em 2007. 
Uma música de vários ritmos. Comecei a fazer a parte instrumental com o tecladista Wagner Monaco, mas foi só o início, até o fim da levada do baixo. A parte seguinte, a"espanhola" veio inspirada após assistir um show da banda independente Nelson & Os Gonçalves. 

Uma das minhas letras mais fortes, com ritmos e tempos diferentes. Uma contestação contra a grande influência da mídia na sociedade. Estava lendo na época o livro de faculdade chamado "Sobre A Televisão" do sociólogo Pierre Bourdieu.

Ficou em segundo lugar no festival da rádio e revista virtual Lágrima Psicodélica em 2010, com bandas diversas de rock psicodélico e progressivo independentes do Brasil todo. Numa entrevista com o organizador Luís Barata, ele elogiou a música, dizendo inclusive que das participantes foi a preferida dele. A banda vencedora foi a mineira Sub Rosa.

Acho ela uma das minhas melhores músicas, tanto que levou o nome do álbum do grupo. Foi uma forma de homenagear pessoas perseguidas pela mídia como Eurico Miranda e Leonel Brizola, entre muitos outros.


              Formação que gravou o álbum "Vírus Rádio Ativo" no Saloon 79. Quem viu viu.


O Dia Vai Chegar
O primeiro baixista do Tatubala, um dos formadores, o Bruno Lima, eu gostava dele pelo seu groove nas quatro cordas. Em ensaios ele tinha mania, de em algumas brechas puxar uma base e a gente ir atrás improvisando num instrumental sem fim. 

Era uma viagem só, até que decidimos por um início e fim na música. Foi aí que criei o tema dela, como nos jazz, e no fim ficou assim a montagem: Introdução, tema, improvisos, tema e fim.
 
Tatubala com a dançarina Paula Cappelletti em 2011

Com ela foi a primeira vez que toquei junto no mesmo palco com meu pai, o trompetista Boanerges de Castro. Isto foi em setembro de 2004, no evento CEP 20.000, no Sérgio Porto, em Botafogo. A galera tava curtindo e tal o show, mas quando ele entrou, juntou uma energia com a banda, poucas vezes sentidas na minha vida, em que o público ficou hipnotizado. Fechei o olho e me senti na Ilha de Wight. Quando terminou a música e o coroa saiu do palco, o público ficou de pé e o aplaudiu entusiasmadamente. Sei que ele ficou a semana inteira ligando pra amigos e parentes falando desse dia. Inesquecível.


                   Gravação de "Dia Vai Chegar" com Boanerges de Castro no trompete

Cana Brava
Tatubala no Espaço Cultural Sylvio Monteiro
em Nova Iguaçu em 2009
Essa foi a música que deu origem ao Tatubala. O embrião de tudo. Ficamos o ensaio inteiro, no estúdio WBS na Barra, eu, Bruno Lima no baixo e Pedro Caboclo na bateria, isso em meados de 2001. Era o tipo de som que queríamos fazer ao montar a banda. Com riffs, groove e mistura de climas. 

A parte do maracatu "Eu vou voltar pra festa do maracatu..." nasceu antes como uma levada de samba. Em seguida com a entrada do Vitor Sulzer na bateria, é que veio a mudança pro ritmo pernambucano.

A primeira vez que tocamos foi num churrasco no salão de festas no prédio onde morava. No caso, a primeira apresentação do Tatubala. Quem viu curtiu muito com o som diferente, ainda instrumental. Nos deu combustível pra seguirmos em frente. A letra remete os dias de bebedeira exagerada com seus finais sem rumos.

Gravamos Cana Brava na demo "Escolhe a Bala" de 2004. Anos depois ela estava nos planos pra regravá-la e fazer parte do novo disco do Tatubala com as novas "Paranoia Psicodélica", "Magia da Caverna", "A Verdade Prevalecerá", etc.


                                  Tatubala em Cachoeira de Macacu em 2006

Bola de Cristal
Tatubala no Cine Rock em Nova Iguaçu em 2011
com Marcelo Bruno, Paulinho e Léo Sampaio.

Após participar dos festivais da Escola de Música Villa-Lobos com "Chá das 5" (2002) e "Cabeça de Rabo de Camarão" (2003) eu tinha que mostrar e tentar superar o que tinha feito com uma nova música no novo festival que viria no fim de 2004. 

Foi na minha época de aprofundamento no rock progressivo, com muito ELP, Jethro Tull, Rush, Mutantes... Montei uma música de sete minutos e chamei pra tocá-la, um baterista, baixista, tecladista, percussionista e flautista para participar. Ficamos uns cinco, seis meses montando ela nos ensaios.


Márcio Boldrini, Anton Folinha e Paulinho de Castro
com Bola de Cristal no SESC Madureira em 2006

No dia do festival fiz de tudo. Me vesti de mago, levei bola de cristal, contei a historinha do "eu vi você criança no Tivoly Park da Lagoa", fizemos cena teatral, improvisos, etc. Quem curtia o tipo de som elogiou muito mesmo. Um jurado e professor, Mauro Wermelinger ficou extasiado. "-Essa é a melhor música do festival!". Mas acho que devido à longa apresentação, não conquistamos nada. Mas valeram muito os aplausos. O caminho do disco "Vírus Rádio Ativo" estava ali.




Cabeça de Rabo de Camarão
Paulinho de Castro no Fest-Villa de 2003
Prêmio de Melhor Intérprete Musical
Essa, junto com "Chá das 5" foram as músicas carro-chefe da banda. No meu prédio havia (ainda há) o Carlinhos do 15, que é um senhor muito culto e alegre com quem encontrava muitas vezes no elevador. Me parece que na época, ele estava com alguns problemas, talvez sentimentais e mentais, e quando conversava contigo emendava uns dez assuntos num só. 

Num desses papos ele me fez uma pergunta querendo saber a diferença entre duas coisas, da qual não me lembro do que disse. Só sei que ele me respondeu: "-Cabeça de Rabo de Camarão!!!". E saiu fora. Foi embora. Aquela palavra soou muito impactante pra mim, e fiquei com ela na cabeça. Foi aí que resolvi fazer uma música em homenagem aos inventores e suas loucuras com esse título.

Com "Cabeça de Rabo de Camarão" tive um dos dias mais incríveis da minha vida. Após tocar no tal do Festvilla em 2002, a inscrevi e classifiquei pra edição do festival no ano seguinte.

Eram duas fases. Semifinal e final. e só podia tocar com músicos da escola. Bruno e Vitinho, que não estudavam lá na época e eram do Tatubala não podiam participar. Nisso arrumei um baixista e um baterista.

Acredita que no dia da primeira apresentação os dois não compareceram!? Na hora do anúncio: "-Próxima concorrente! Cabeça de Rabo de Camarão de Paulinho de Castro...", eu não ia subir sem banda. Foi quando Marcelo Bruno, ele mesmo, o futuro pajé e baixista do Tatubala, me disse: "-Paulinho, vai lá e toca sozinho!". Criei coragem e fui!

Estava com uma roupa totalmente nada com nada. Camisa colorida psicodélia, bermuda de estrelinha e um tênis de cada cor. Fui e subi no palco. Cumprimentei os músicos inexistentes e comecei a tocar. 

O que eu posso dizer é que a escola inteira ficou comovida com o fato e passaram a cantar junto o refrão. No fim, após todas as músicas participantes serem executadas o apresentador anunciou os finalistas. Quando disse o nome da minha, a escola veio a baixo! Vieram todos em cima de mim e fui carregado pelos corredores nos ombros da galera. Tipo cena de filme. 

Recebendo o prêmio de Melhor Arranjo Musical
da banda Cachorro Grande no Rock Colatina de 2009


Na final arrumei os instrumentistas e conquistei, com uma fantasia de Filhos de Gandhi, o prêmio de Melhor Intérprete Musical. Uma história pra guardar pra sempre.

Com Cabeça de Rabo de Camarão, o Tatubala participou do festival Rock Colatina no Espírito Santo em 2009. Conquistamos o prêmio de Melhor Arranjo Musical, com troféu dado pelo baixista Rodolfo Krieger do Cachorro Grande.

Em 2010, gravamos com essa canção o nosso primeiro vídeo-clipe oficial, dirigido pelo Felipe Cataldo. Muito louco!


                               Clipe Cabeça de Rabo de Camarão

Paranoia Psicodélica
Paulinho, Léo Sampaio e Flávia Cappelletti
 no Araribóia Rock em Niterói em 2012 
Na época da gravação do álbum "Vírus Rádio Ativo", o Tatubala estava sem baterista, o Felipe Cotta foi contratado só pra fazer o disco e realizar um show ou outro. No período de mixagem das gravações, o Bruno Portinho, dono do estúdio, me apresentou um ajudante, que dizia ser baterista e se gabava de ser melhor que muita gente. Na carência ali na época, e sem ninguém de baterista em vista pra fazer parte da banda, o chamei pra entrar no grupo. 

Ele veio no início com aquele papo generoso, de coitado, de cachorro faminto e conseguiu nos enganar com umas levadas jazzísticas que fazia. Por incrível que pareça ele tocou duas músicas conosco num festival na Lona Renato Russo, na Ilha do Governador. "Cabeça de Rabo de Camarão" e "Foxy Lady" do Hendrix.

Mas essa pessoa, que veio de São Paulo para o Rio, sem nada ,tinha todas as qualidades ruins que se pode ter numa pessoa. Mentirosa, falsa, invejosa e ladra. Falo isso, hoje em dia sem rancor, pelo contrário, fico rindo das maluquices e doideiras que ele fazia até. Não digo isso só por mim, nem sei porquê perco meu tempo e linhas com ele. Mas sim pela banda, pelo próprio dono estúdio que me apresentou e o arrumou um trabalho pra ele lá, e por fim por uma namorada nova, em que ele conseguiu ir morar por um tempo na casa da família dela. Só pra ter idéia, um membro dessa família, revoltado com suas atitudes, lhe deu uma voadora com tanta raiva no meio de Copacabana. Hilário.


                        No estúdio ao vivo com "Paranoia Psicodélica" em 2014

Enfim... Tatubala, com todo respeito, sempre foi para-raio de malucos, que me renderam boas e ruins experiências. E essa música eu fiz em homenagem à este baterista, que fugiu (disse que foi pra Itália) e nunca mais tivemos notícia.

Paranoia Psicodélica seria o pontapé inicial do meu projeto engavetado, que é o novo álbum do Tatubala. Gravamos ela exclusivamente em 2013 , e no ano seguinte, após 12 anos já estava saturadíssimo e sofrendo com muitas mudanças na banda. Nisso não conseguimos ir à final do Webfestvalda Circo Voador e resolvi parar.

Tenho orgulho de todas músicas que fiz, além de outras muitas não citadas acima. "Lua Cheia", "As Aventuras de Pedro Caboclo No Planeta B-422", "Imaginação", e as nunca gravadas e tocadas. No Tatubala sempre as construímos primeiramente no intuito de nos divertimos, e de ter o prazer de tocá-las no palco e fazer o público viajar junto na nossa onda. O que, gratificantemente, aconteceu na maioria das vezes!

Essas composições é o que deixaremos para o mundo. Talvez como no lema "Eu não sei fazer música, mas eu faço. Eu não sei cantar, mas eu canto" dos Titãs, o lance nosso era ir livre, curtir e botar a cara pra galera.

Quem sabe um dia a gente volta....


Tatubala com Boanerges de Castrono SESC Tijuca em 2005