segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Palco da História

Após o término da Segunda Grande Guerra Mundial em 1945, o mundo ainda estava ao mesmo tempo aliviado com o fim dela, mas também abalado com as atrocidades acontecidas. Foi preciso, inclusive que soviéticos e americanos, governos com ideais distintos lutassem por um objetivo só, que seria o combate e fim do nazismo na Europa.

Neste período, em terras brasileiras, Luís Carlos Prestes, líder comunista e inimigo político do então presidente Getúlio Vargas, solto após nove anos de  prisão realizou um comício no Estádio de São Januário com mais de 100 mil pessoas no dia 23 de maio de 1945 . A cessão foi autorizada pelo então Presidente do clube cruzmaltino, Manuel Ferreira de Castro Filho, um intelectual equilibrado, que dizia, que se Vargas utilizava o estádio, Prestes também poderia usar. Inclusive foi no próprio São Januário, dois anos antes, que Getúlio decretou as Leis Trabalhistas , a CLT em 1943.

Comício de Prestes em maio de 1945 no Estádio de São Januário - Foto: Site do PCB




A atitude incomodou a imprensa da época, que praticamente o acusou como um ato criminoso, e também parte da ala anti-comunista da diretoria e sócios do Vasco. Castro Filho, com seu espírito liberal resolveu então renunciar do comando da Colina, após os protestos.



Interessante, é que poucos anos antes, quando o Brasil ingressou na guerra, Castro Filho, junto com Ciro Aranha, outro grande presidente da história cruzmaltina fizeram parte da comissão Pró-Avião Vasco da Gama. Uma campanha para arrecadar dinheiro para adquirir e doar dois aviões para a FAB. 

Foto: Site oficial do Vasco
Castro Filho, veio com o lema: "No Vasco basta plantar a semente". No fim, com sucesso conseguiu-se fundos para a compra dos dois aviões, que tiveram a Cruz de Malta pintada. Estes seguiriam para Itália, juntamente com os Pracinhas, que já se alojavam e treinavam na própria Colina no período de guerra. Os soldados puderam combater vitoriosamente os nazistas em Monte Castelo. Há, inclusive no clube vascaíno um monumento em memória da conquista.

Vitória dos Aliados e do Brasil de Vargas, que num fato curioso até hoje, durante este período do comício socialista, pediu a Prestes para apoiá-lo na candidatura à Presidência da República. Isso, mesmo com o próprio Prestes ter sido preso nove anos durante o regime de Vargas, e deste último ter enviado a própria esposa do comunista, Olga Benário aos campos de concentração e extermínio da Alemanha Nazista no final dos anos 30. Getúlio Vargas se desculpou em seguida e ainda prometeu maior participação do Partido Comunista no congresso brasileiro. Coisas da política.

                                               Discursso de Vargas no Dia do Trabalho 

                                     




Fontes: Almanaque Brasil, Site oficial do Partido Comunista Brasileiro, Site do pesquisador Mauro Prais, livro "Memorial Social dos Esportes, v 2 Futebol e Política - A construção de uma identidade" e página no Facebook de Ademir Marques de Menezes.





quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A Carta de Eurico Miranda

Venho aqui reproduzir a carta de Eurico Miranda, então Presidente do Club de Regatas Vasco da Gama destinada aos vascaínos em 30 de junho de 2008, quando saiu do comando da instituição. Na carta demonstrou sua trajetória no clube e como o deixou. Destaque para o penúltimo parágrafo.


Eurico no aniversário de quatro anos do Colégio Vasco da Gama.Foto:  Paulo Fernandes/Vasco.com.br

Aos Vascaínos,

Talvez tenha sido pouco. Na verdade, ao cruzar, como Presidente do Vasco, o portão de São Januário pela última vez, é esta a sensação. O que fiz foi pouco. Muito pouco. Considero assim porque nestes mais de 40 anos de serviços prestados ao clube, fiz de cada dia uma obsessão. Obsessão em tornar o Vasco maior, respeitado, intocável. Isso me guiou. Isso me motivou a acordar todos os dias. Quase sem perceber, por esta obsessão entreguei a minha vida. Agora, quando os dias derradeiros dessa trajetória vão passando com rapidez, noto que vivi em função desta paixão sem nenhum pudor em me doar. Sem limites. E o mais incrível: não consigo identificar um foco, sequer, de arrependimento. Faria tudo de novo, mesmo conhecendo os efeitos desta entrega. Mesmo sabendo que esta entrega me custaria, novamente, a destruição de minha imagem pública. O Vasco vale à pena, em qualquer circunstância.

Devo esclarecer que o processo que está determinando a minha saída começou há muito tempo. Talvez no primeiro dia do meu primeiro mandato como Presidente. Por esta instituição, em defesa deste clube, fiz inimigos muito antes de me tornar Presidente. Convivi, de janeiro de 2001 a junho de 2008, com todo tipo de ações orquestradas na intenção de inviabilizar o Vasco e minha administração. Valeram-se delas uma parcela da mídia e os inimigos internos, artífices de um cerco que atingiu o coração desta casa com 110 anos de existência.

Os últimos capítulos deste cerco todos devem ter acompanhado. Pressionados, cometemos o erro ansiosamente aguardado pelos inimigos, ao não recolher custas de 30 reais em um processo relativo às eleições de 2006. Foi decretada a revelia, nossa defesa foi desconsiderada e, dali por diante, o que se viu foi uma verdadeira avalanche, desencadeada do topo da montanha do poder deste estado. Resta-me a mágoa de ter constatado que, embora o alvo fosse eu, o Vasco foi pisoteado, massacrado, desrespeitado. Seu Estatuto rasgado. Feriram o meu sentimento vascaíno, não por este desrespeito ter decretado o meu afastamento, mas ao ignorar a História centenária do nosso clube.

Não é feitio meu fazer-me de vítima. Há os que sobrevivem disso, elegem-se para cargos políticos sob a estratégia da vitimização. É evidente que não é o meu caso. Tenho plena consciência dos inimigos que fiz, muitos na mídia. Alguns, de fato, merecedores da minha inimizade. Outros, nem tanto. Batalhas que venci e batalhas que perdi. Sempre em nome do Vasco. Sempre em defesa do Vasco. Reconheço, contudo, que há dois lados na moeda: assim como os enfrentei, esperaria naturalmente os contra-ataques, desde que eles fossem feitos de forma honesta. Acontece que a desonestidade e a mentira passaram a estar presentes em todas as matérias a meu respeito. Insurgir-me contra isso passou a ser mais um dever.

Ontem mesmo, em um editorial que supera todos os limites do bom-senso e que toca o ridículo, a editoria de esportes do jornal O Globo, numa demonstração medíocre de revanchismo, expôs toda a satisfação pela consumação do golpe que me afastará do Vasco. As inverdades e a desonestidade pautaram o texto, como de costume.

Foram capazes de ressuscitar, por exemplo, acusações da CPI do Futebol, sepultadas, recentemente, pelo Superior Tribunal de Justiça. Foram capazes de afirmar que no episódio lamentável ocorrido em São Januário na final da Copa João Havelange, mandei feridos se retirarem do gramado para que o jogo recomeçasse, quando o áudio da gravação original comprova que eu disse exatamente o oposto: o jogo só recomeçaria após o atendimento de todos os feridos. Também foram capazes de levantar alguns fatos isolados que eles colocam como insucessos esportivos.

A isso, respondo com currículo: desde que assumi o comando do futebol do Vasco, ajudei a conquistar 3 dos nossos 4 títulos brasileiros; 7 títulos estaduais; uma Taça Libertadores da América; 1 Copa Mercosul; 1 Rio-São Paulo. Foram diversas Taças Guanabara e Taças Rio. E mais: fazendo justiça ao nosso passado, busquei, junto à Conmebol, o reconhecimento oficial da entidade ao nosso título Sul-americano de 1948, tido pelos historiadores como a “primeira Libertadores”. Isso sem contar a minha participação na formação de equipes campeoníssimas nos esportes amadores. Posso citar o futsal, o remo, esporte de nossas origens, e o basquete, no qual nos sagramos bicampeões brasileiros, bicampeões da Liga Sul-americana e vice-campeões mundiais, perdendo apenas para o time campeão da NBA, o Santo Antônio Spurs. Assim, a editoria de esportes de O Globo até pode suprimir de seus editoriais os meus notáveis feitos à frente do Vasco. Mas jamais os suprimirá da história. Jamais manchará a minha trajetória.

Ainda no trilho das realizações, orgulho-me do crescimento patrimonial que esta diretoria proporcionou ao Vasco, mesmo sendo alvo de constantes agressões e sabotagens. E confesso a emoção ao me lembrar de que abracei a idéia do projeto do Colégio Vasco da Gama, que já formou diversas turmas de primeiro e segundo graus, verdadeiro projeto de cidadania. Apesar de todas as dificuldades, inerentes a todos os clubes, mas incrementadas no caso do Vasco comandado por um “vilão”, mantive os sonhos. Os meus sonhos e os sonhos de centenas de jovens e crianças pelos quais fui responsável.

Também sonhei os sonhos da nossa torcida. Assim como tenho plena noção de que a acostumei com títulos em profusão, assumo a responsabilidade por, neste período em que ocupei a presidência, só termos conquistado o Estadual de 2003. Longe de ser um jejum desesperador, ao contrário do que vende a mídia. Mas, gostaria muito de ter rompido o cerco que impediu nossas conquistas habituais. Estivemos muito próximos de conseguir. Agradeço a participação dos torcedores. Estejam certos de que nosso clube, caso seja mantido no seu rumo, ainda chegará ao topo, assim como quase chegou em 1998 e 2000.

Um agradecimento especial ao nosso quadro social. Pelo menos por três vezes ele demonstrou maturidade e responsabilidade, dizendo não às pressões externas: nas eleições de 2003, nas eleições de 2006 e ao repelir com veemência a remarcação desta eleição para o último dia 21 de junho.

E, finalmente, a minha sincera gratidão àqueles que não me abandonaram. Dirigentes, colaboradores, funcionários. Amigos próximos ou distantes. Muito obrigado por terem me ajudado a atravessar momentos tão críticos e dolorosos.

Apesar de acreditar que muito mais poderia ter sido feito, deixo a presidência com a consciência daqueles que cumpriram o seu dever. Um bom elenco no futebol, o nono lugar no Brasileiro de 2008, com boas perspectivas de melhora. Diversas promessas surgindo na base. Salários em dia, estrutura intocável, estádio bem cuidado, parcerias encaminhadas, como no caso da Lusoarenas. Nossas dívidas mais críticas equacionadas. O título estadual de remo em nossas mãos. Enfim, um cenário excelente, quando se leva em conta os obstáculos que nos foram impostos.

Por fim, lembro que, pelo Vasco, enfrentei de Senadores da República a traficantes colombianos. Pelo Vasco, abri mão dos prazeres sociais mais simples, principalmente quando a tentativa de desmoralização imposta a mim atingiu o seu nível mais alto. Pelo Vasco, renunciei até à minha saúde. O Vasco sempre esteve acima de tudo. E, sendo assim, despeço-me dizendo que estarei atuante como Grande-Benemérito que sou. Pelo Vasco e para o Vasco a experiência e o conhecimento que acumulei ao longo destes anos estarão sempre disponíveis. Jamais me furtarei a ajudar, se um dia for convocado. Pelo Vasco, as mágoas e cicatrizes são colocadas à margem. O sentimento sempre prevaleceu e assim permanecerá. A minha contribuição a esta instituição sustentou-se assim: no sentimento. Sentimento que não pode parar.

Saudações Vascaínas,
Eurico Miranda

Alex Teixeira comemora com Morais na vitória por 4x2 sobre o Ipatinga.  O Vasco sobe para o sétimo lugar no Brasileirão de 2008, no último jogo com Eurico Miranda como Presidente do clube. Foto: Paulo Fernandes/Vasco.com.br